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Mitos e verdades sobre a lavagem de dinheiro no mercado segurador

Todos sabem que o mercado segurador é um dos mais visados para a prática de fraudes, o que acaba exigindo que as empresas do setor adotem controles internos eficazes, destinados à prevenção de perdas significativas.

A edição do 15º Ciclo do Sistema de Quantificação de Fraudes (SQF), publicado no mês de julho de 2018 pela CNseg, indica que os sinistros ocorridos no mercado segurador somaram aproximadamente R$ 33 bilhões no ano de 2017. Deste total, R$ 5,2 bilhões foram resultados de sinistros suspeitos, o que corresponde a 15,8% do valor total dos sinistros ocorridos.

Certamente esses dados assustam, pois as fraudes no setor de seguros atingem anualmente o patamar dos bilhões em prejuízos. Mas, por trás das fraudes, muitas vezes, pode surgir também o crime de lavagem de dinheiro.

Parece difícil imaginar que o crime de lavagem de dinheiro também ocorre no setor de seguros, e até mesmo alguns profissionais que atuam em áreas de gestão de riscos chegaram a acreditar nesse mito, mas é importante saber que este crime, apesar de quase imperceptível, muitas vezes ocorre de forma acessória ao crime de fraude.

Regulamentação SUSEP 

Prova disso são as diretrizes estabelecidas pela Superintendência de Seguros Privados, a SUSEP, que, em sua Circular 445/2012, dispõe sobre os “controles internos específicos com o objetivo de prevenir e combater os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores ou os crimes que com eles possam relacionar-se, o acompanhamento das operações realizadas e as propostas de operações com pessoas politicamente expostas, bem como a prevenção e coibição ao financiamento do terrorismo”.

Conforme estabelece a referida regulamentação, o mercado segurador precisa desenvolver e implementar controles internos efetivos, consistentes com a natureza, a complexidade e os riscos das operações realizadas, os quais devem contemplar, entre outras exigências, a identificação de beneficiários e terceiros, bem como a avaliação, o controle e o monitoramento dos riscos de envolvimento com situações relacionadas à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.

Tudo isso sem abrir mão das comunicações das operações previstas no artigo 13 do referido normativo, da elaboração e execução de programa de treinamento específico para a qualificação dos funcionários, além da elaboração e execução de programa anual de auditoria que verifique o cumprimento dos procedimentos estabelecidos pela circular.


Quebrando paradigmas  

Apesar das exigências legais e regulatórias, especialistas das áreas de governança, controles internos, compliance e riscos ainda encontram algumas dificuldades para entender, mapear e monitorar os riscos de ocorrência dos crimes de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo no mercado de seguros.

A principal justificativa, por vezes, reside na alegação de que o setor de seguros possui características peculiares quando comparado com o mercado financeiro, o que acaba por dificultar o entendimento das tipologias específicas de ‘lavagem’ adotadas pelos criminosos nos diversos ramos do seguro.

Portanto, torna-se necessária uma reflexão do mercado segurador, visando a ampliação dos esforços de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, e não apenas a concentração das ações nas políticas relacionadas à prevenção contra fraudes.

O primeiro passo nesse sentido requer a realização de estudos sobre os riscos envolvidos na subscrição das operações, na contratação de terceiros ou outras partes relacionadas, no desenvolvimento de produtos, nas negociações privadas e nas operações com ativos, ou seja, é preciso conhecer profundamente as características dos produtos e serviços ofertados em cada ramo do seguro e os consequentes riscos de sua utilização em esquemas de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao terrorismo.

Derrubando mitos 

Provavelmente você deve estar se questionando sobre como é possível ‘lavar’ dinheiro no mercado segurador, principalmente quando consideradas as tipologias de ‘lavagem’ mais comuns utilizadas no mercado financeiro e amplamente divulgadas nos meios de comunicação.

Para que não restem dúvidas, selecionamos dez exemplos de práticas de lavagem de dinheiro habitualmente utilizadas neste setor:

  1. Manutenção de altas quantias de recursos de origem ilícita em produtos como previdência privada e capitalização, conhecidos como “produtos de acumulação”. Esta tipologia, conhecida como “estacionamento de ativos”, tem por objetivo fazer com que esses valores passem despercebidos “aos olhos” dos órgãos de fiscalização, controle e inteligência financeira.
  2. Pagamento de prêmios de seguros com boletos bancários, mediante a utilização de recursos em espécie de origem ilícita, com posterior cancelamento da cobertura e pedido de reembolso dos valores pagos.
  3. Contratação de seguros de automóveis de luxo por pessoas com renda e patrimônio considerados incompatíveis, e indicação de condutor que não seja o “proprietário” do veículo. Trata-se de situação comum quando da utilização de “laranjas” e caracteriza forte indício de ocultação de bens, também abrangida pela Lei 9.613/98, conhecida como “Lei da Lavagem de Dinheiro”.
  4. Contratação de seguro patrimonial para imóveis de valores elevados por pessoas com renda e patrimônio incompatíveis, o que também é um forte indicativo do uso de “laranjas”.
  5. Compra de bens de luxo ou de alto valor com recursos em espécie, com contratação de seguro para esses bens, e posterior simulação de sinistro, visando a obtenção do ressarcimento integral. Nessas situações, verifica-se a ocorrência do crime de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, seguido do crime de fraude contra o seguro.
  6. Solicitação de pagamento de indenizações ou reembolsos a terceiros que não o próprio segurado, o que pode caracterizar situação de “compra de direitos”, assim como acontece nas situações de compra de bilhetes premiados de loteria, já que o recurso a ser pago pela seguradora poderá ser considerado ‘limpo’.
  7. Variações relevantes de importância segurada, sem causa aparente, o que pode ser um forte indicativo de enriquecimento ilícito do segurado, ou mesmo que ele esteja sendo utilizado como “laranja”.
  8. Recebimento de uma ou mais indenizações do seguro DPVAT na qualidade de cessionário de beneficiário, ou em nome de beneficiário, na qualidade de mandatário, o que também pode caracterizar situação de “compra de direitos”.
  9. Contratação de seguro de vida coletivo para empresas cuja quantidade de funcionários seja considerada incompatível com o porte da contratante. Nesses casos, o objetivo também pode ser o de pagar o prêmio de seguros com boletos bancários, mediante a utilização de recursos em espécie de origem ilícita, com posterior cancelamento da cobertura e pedido de reembolso dos valores pagos.
  10. Contratação de seguro residencial com declaração de bens cujos valores sejam considerados incompatíveis com a localização e o padrão do imóvel. Trata-se de situação comum relacionada a pessoas que atuam com atividades ilícitas, principalmente o tráfico de drogas.